Da emoção ao status: como a psicologia explica as decisões de compra em tempos de festa

Pesquisadora em psicologia do consumidor fala sobre o “espírito das compras”, um fenômeno coletivo que transforma o consumo em ritual de celebração

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FigCaption Imagem: Acervo
Por Shâmia Salem em 19/10/2025 Atualizado Atualizado: 27/10/2025 às 17:17
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Em tempos de festa, como o Natal, o “espírito das compras” transforma o consumo em um ritual coletivo carregado de emoções, segundo a psicóloga Sibele Dias de Aquino. O ato de presentear vai além da aquisição de produtos, envolvendo sentimentos de pertencimento e conexão social, onde a escolha do presente reflete identidade e valores. As campanhas publicitárias e o ambiente festivo intensificam a urgência e a impulsividade nas compras, muitas vezes levando a decisões emocionais e imediatas. A pesquisadora enfatiza a importância de compreender o comportamento do consumidor para entender suas motivações e emoções que influenciam as decisões de compra, tanto em ambientes físicos quanto virtuais.
Resumo supervisionado por jornalista.

No comércio, o Natal já está no ar, e o impacto da data festiva não é visto apenas nas prateleiras e vitrines: o “espírito das compras” tem efeito coletivo e transforma o consumo em ritual de celebração, um movimento impulsionado pela emoção. Não poderia ser diferente, já que em datas comemorativas comprar um presente pode carregar uma mistura de alegria com nostalgia e, às vezes, uma pontinha de culpa. 

Há quem compre para agradar, para agradecer ou para se sentir melhor. “Nesse contexto, o presente é só o meio; o verdadeiro produto é a emoção trocada. Além disso, o clima de festa pode despertar lembranças e sensações de pertencimento. Comprar pode significar participar de algo maior: o período natalino envolve, por exemplo, a família reunida, os amigos trocando presentes, o país inteiro parecendo vibrar no mesmo tom de euforia”, diz Sibele Dias de Aquino, pesquisadora em psicologia social e do consumidor, professora de psicologia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio e doutora pela PUC-Rio.

Participar e ser aceito

Segundo a pesquisadora em psicologia do consumidor, as festas também são um palco social, onde o consumo se torna a linguagem que diz quem somos e o que valorizamos (o que geralmente é feito a partir da escolha de uma marca ou de um produto específicos). Há ainda a pressão silenciosa das tradições, em que não presentear pode ser visto como ausência, exclusão ou ruptura no ritual coletivo; ao passo que receber um presente pode expressar laços sociais e a sensação de pertencimento.

O mercado aprendeu a orquestrar essas emoções com maestria. “Campanhas publicitárias, músicas-tema, embalagens especiais e slogans emocionais são ferramentas de persuasão cuidadosamente planejadas. As promoções limitadas, os descontos-relâmpago e o famoso “último dia da oferta” ativam o temor de perder uma oportunidade. Nosso cérebro não gosta de ficar de fora. Essa sensação de urgência, somada à necessidade de pertencimento, a busca por status, a suscetibilidade à influência, tudo intensificado pelo clima afetivo sazonal, são elementos poderosos que atuam diretamente nas decisões de compra”, resume a professora do Mackenzie Rio.

Impulsividade adora festa

Em ambientes de celebração, a racionalidade costuma tirar férias. “Às vezes, o prazer da compra imediata – aquela gratificação instantânea que vira um post “me mimei!” – fala mais alto do que o necessário planejamento financeiro. O “eu mereço” grita forte. Promoções, decorações e cheiros familiares intensificam sensações de urgência que impedem a gente de deliberar, ponderar, refletir. O resultado é a famosa compra por impulso: um ato rápido, impensado, emocional e imediato”, destaca Sibele Dias de Aquino. “Comprar nas datas comemorativas é muito mais do que adquirir produtos. É buscar conexão, compensar emoções, afirmar identidades, encontrar autogratificação e responder a expectativas sociais. O presente que damos e recebemos carrega muitos fatores emocionais, sociais, pessoais e contextuais dentro dele”, completa a pesquisadora, que concedeu a entrevista a seguir à Negócios de Beleza Beauty Fair.

Diante das novas formas de consumo, qual a importância do empreendedor de beleza estudar o comportamento do consumidor?

Basta pensar que as decisões de compra passam, sim, por preço, por oferta, pelo tipo de comunicação adotada, mas que elas passam também pela experiência que o consumidor tem no ponto de venda. Daí a importância de entender o comportamento da pessoa durante a compra e durante a decisão da compra, as motivações que a levaram a procurar aquele serviço, aquele produto, naquele momento, a busca por gratificação, por novidade, bem como suas diferenças individuais, fatores sociais e de necessidade de pertencimento. 

Seus estudos fazem parte de um campo chamado na ciência de administração de marketing de pesquisa transformativa do consumidor; o que é isso exatamente?

Os estudos nessa área buscam entender o consumo a partir da ótica de quem compra, do indivíduo, e, com isso, promover autoconhecimento à essas pessoas, abastecê-las de conteúdos e de informações sobre si mesmas, sobre seus funcionamentos. Ou seja, que tipo de motivação hedônica, que busca de prazer ela tem no momento da compra, que emoções vão interferir em suas decisões, que vieses cognitivos serão acionados, como o viés da escassez, que aciona o senso de urgência para o consumo. As empresas e marcas já entenderam super bem esse mecanismo, que é bastante usado quando estamos em um site de compra e surge a mensagem de que é preciso correr porque aquelas são as últimas unidades ou que faltam apenas tantos minutos para a promoção terminar. 

O desejo de consumir impacta no cérebro e no comportamento do consumidor independentemente do apelo ser realizado em um espaço físico ou virtual?

Existem particularidades de cada ambiente. Por exemplo, no físico as experiências sensoriais e experimentações, como um cheiro, um toque, uma sensibilidade tátil, um tester acessível, podem promover respostas emocionais imediatas e que estimulam a compra por impulso. Já o espaço virtual tem a vantagem do consumidor estar frequentemente mais exposto, sensível e disponível às ofertas, mesmo que ele não tenha buscado por elas. Existe também uma interação entre os ambientes físico e digital, já que o online pode ampliar o alcance da marca e preparar mais pessoas para lidar e interagir com ela e seus produtos. 

Além do ambiente físico propriamente dito, como os funcionários de uma loja podem colaborar para estimular o espírito de compras do consumidor? 

Funcionários podem ser decisivos para a efetivação da compra por serem a personificação da marca e do produto na experiência do consumidor. Eles também são um importante ponto de contato ao estarem disponíveis e visíveis quando o cliente precisa de ajuda, ao fazerem uma saudação cordial sem ser muito intrusiva, se disponibilizarem para evitar filas no caixa, conhecerem o estoque… Treinamentos de comunicação efetiva e afetiva podem ajudar com isso, e capacitação técnica também – o que inclui aprofundar o conhecimento em cosméticos, inclusive sobre as indicações e limitações dos produtos, e entender a importância de manter a bancada de experimentação organizada, entre outras ações que refletem honestidade, confiança e credibilidade ao cliente. Por outro lado, a falta desses cuidados pode provocar o que chamamos de pontos de fricção, que levam a reações emocionais negativas e desgaste com a marca e a empresa.