Profissionais de Beleza

Não podemos deixar essa tragédia passar em branco

Presidente da Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos, Márcia Larica, fala sobre morte de paciente após peeling de fenol ser feito por falsa esteticista e da urgência na criação do Conselho Federal de Estética.

Por Redação em 12 de junho de 2024

Muitas questões sobre a atuação da esteticista vieram à tona com a morte do empresário Henrique Silva Chagas após ele ter feito um peeling de fenol com uma falsa esteticista. Estamos falando da influenciadora digital Natalia Fabiana de Freitas Antonio, conhecida como Natalia Becker, que confessou ter aprendido o procedimento em um curso online.

Desde que a tragédia ganhou a imprensa e as redes sociais, dúvidas, discussões e, claro, fake news surgiram envolvendo a profissão. E é para esclarecer alguns desses questionamentos e entender como está a criação do Conselho Federal de Estética e Cosmetologia que NEGÓCIOS DE BELEZA da BEAUTY FAIR entrevistou com exclusividade a presidente da Anesco, a esteticista Márcia Larica, que também preside a Sindestetic RJ, Sindicato de Estética e Cosmetologia do Estado do Rio de Janeiro, às vésperas dela viajar para Brasília para continuar pressionando o governo pela criação do Conselho Federal de Estética e Cosmetologia, órgão que terá poder de regulamentar e fiscalizar a profissão de forma efetiva. Acompanhe.

O que é a Anesco e qual o papel dela junto à atuação e regulamentação dos esteticistas?

A Anesco é a Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos, que foi criada a partir da publicação da lei 13643, que regulamentou a profissão do esteticista e cosmetólogo. Em dezembro de 2014 um grupo de esteticistas de 23 Estados criou uma mobilização nacional, denominado Mutirão da RegulamentAÇÃO Estética e Cosmética, com o objetivo de trabalhar arduamente por essa regulamentação. Convidaram a deputada Soraya Santos para ser a autora do projeto de lei. Depois de uma trajetória de lutas e conquistas, finalmente, em três de abril de 2018, o PL 2332/2015 se tornou a lei 13.643/2018. A partir daí, o Mutirão se transformou na Anesco para continuar a luta, agora em prol da criação do Conselho Federal de Estética e Cosmetologia.

O que é preciso fazer para ser realmente um esteticista?

Segundo a lei 13.643, partir de 3 de abril de 2018, o esteticista é o profissional de nível superior, graduado em estética e cosmética (tecnólogo ou bacharel). A lei também prevê o técnico em estética, profissional de nível médio. A diferença é que o técnico em estética somente pode atuar sob a supervisão de um esteticista graduado.

Segundo seus esclarecimentos, a influenciadora conhecida como Natalia Becker não poderia se apresentar como esteticista?

Não, porque ela fez apenas cursos de alguns procedimentos estéticos online. Esses cursos são destinados ao aprimoramento de técnicas, na categoria de cursos livres, que não formam um esteticista em hipótese alguma. Ou seja, ela está praticando ilegalmente a profissão de esteticista.

Quais os limites de atuação do esteticista?

O esteticista é o profissional que atua com todos os procedimentos de estética facial, corporal e capilar. A lei do esteticista prevê em seu artigo primeiro, parágrafo único, que é vedada apenas a prática de estética médica nos termos do artigo 12.842/13, ou seja, é vedada a ‘invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos’. Os procedimentos estéticos injetáveis são técnicas muito empregadas pelo esteticista atualmente, que estuda cada vez mais, e se capacita por meio de especializações. Entre os procedimentos estéticos injetáveis mais realizados estão a toxina botulínica, preenchedores absorvíveis, bioestimuladores de colágeno, PEIM, abreviação para procedimento estético para microvasos, fios de PDO, além de tecnologias mais avançadas, como lasers, ultrassom micro e macrofocado, endolaser. Mesmo com todo o avanço técnico-científico, as terapias manuais, como drenagem linfática e técnicas de massagens, ainda são muito utilizadas, isoladas ou fazendo parte dos protocolos de tratamento.

O que é estética avançada e que tipo de procedimentos passam a ser permitidos fazer?

Ainda hoje existe uma confusão entre procedimentos injetáveis (intradérmicos, subcutâneos, intramusculares) e procedimentos invasivos. Segundo a legislação em vigor no Brasil, o conceito legal de procedimento invasivo é o que está descrito na lei 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício ilegal da medicina, mais conhecido como Ato Médico, previsto no artigo 4º, parágrafo 4º, inciso III: procedimentos estéticos avançados são procedimentos não invasivos, que compreendem os injetáveis com finalidades estéticas (toxina botulínica, intradermoterapia, fios de PDO, preenchedores não-permanentes e bioestimuladores de colágeno, entre outros) e equipamentos de ponta com tecnologias mais recentes, como lasers, radiofrequência fracionada, ultrassom microfocado, endolaser e hidrodermoabrasão, dentre outros, de forma isolada ou combinados. São permitidos os procedimentos avançados depois uma formação adequada na graduação ou nas pós-graduações específicas em estética avançada, além de um treinamento quando se trata de um equipamento. Um cuidado importante que o esteticista conhece bem é uma anamnese completa, a avaliação minuciosa, incluindo exames e outros documentos do paciente. Uma prática que ajuda muito nos resultados é a especialização em formulação de magistrais, produtos personalizados, especialmente desenvolvidos para atender às necessidades individuais de cada paciente. Isso transforma o tratamento em uma experiência verdadeiramente diferenciada por parte do esteticista.

Uma dúvida frequente é se depilador, manicure, podólogo, micropigmentador, tatuador, cabeleireiro, barbeiro e massagista são esteticistas. São?

Não, esses são profissionais da área do embelezamento e imagem pessoal, e suas profissões são reconhecidas, mas não regulamentadas. Não requerem formação específica e podem ter o ensino fundamental incompleto. Não são área da saúde como a estética e cosmetologia. Portanto, não são esteticistas.

Pode esclarecer se a estética é um serviço de interesse para a área da saúde e o que isso significa?

Serviços de interesse para a saúde são atividades que englobam serviços de assistência à população, fora do contexto hospitalar ou clínico, que possam alterar ou influenciar o seu estado de saúde. A Anesco está pleiteando a entrada do esteticista na resolução 287 do CNS, para o reconhecimento como serviço de saúde e a entrada no SUS, pelo fato de realizarmos tratamentos que promovem bem-estar e qualidade de vida. Muito além da beleza, os tratamentos estéticos melhoram a autoestima dos pacientes, contribuem nas questões emocionais relacionados à autoimagem. Também auxiliam na detecção precoce de problemas de saúde, como as várias patologias de pele; trabalham com cuidados paliativos em doenças terminais; tratamentos pré, trans e pós cirúrgicos; oferecem estratégias terapêuticas complementares às medicamentosas em diversas alterações de pele, as PICs (práticas integrativas e complementares à saúde) já aceitas e utilizadas pelo SUS por intermédio de resolução do Ministério da Saúde, portaria 971/2006. A graduação está catalogada no eixo saúde do catálogo nacional de cursos superiores de tecnologia, na área de gestão e promoção da saúde e bem-estar. Trata-se de uma grande gama de serviços que toda a população que faz uso da saúde pública perde com a não inclusão do esteticista no SUS.

Para saber se quem se diz médico é médico de verdade, podemos pesquisar nos sites das sociedades médicas. E no caso do esteticista, como o consumidor pode se certificar se o profissional que ele encontrou na internet, com milhares de seguidores, é esteticista mesmo?

O consumidor tem o direito de pedir ao profissional o seu diploma de graduação, que, para evitar essa situação, deve ser afixado em local à vista no consultório. Outra forma de fazer essa verificação é acessar no site da Anesco (www.anesco.gov.br) a aba ‘Encontre aqui um profissional da estética’ e procurar um profissional mais próximo ou com a especialização que você busca. Esse canal permite checar ainda um mini currículo do esteticista. Para tanto, passamos toda a documentação por um crivo detalhado, inclusive, pesquisando as instituições de ensino. Os profissionais que são formados em pós-graduações de estética avançada conceituadas recebem uma CNEC, a Carteira Nacional do Esteticista e Cosmetólogo, com o registro de especialista em injetáveis estéticos ou harmonização facial e corporal.

Se houver um responsável técnico na clínica, o esteticista pode realizar o peeling de fenol?

Segundo a lei do esteticista, 13.643/18, artigo 6°, o esteticista é o profissional qualificado para ser o responsável técnico por seu trabalho e também por clínicas e consultórios de estética. Entretanto, o peeling de fenol é um procedimento que só deve ser realizado em centro cirúrgico. Existe uma técnica, com formulação atenuada dos ativos, entretanto, com seus cuidados e especificidades, sendo aplicado em regiões mínimas, depois de anamnese cuidadosa e avaliação de exames cardiológicos, hepáticos e renais. Ainda assim, o procedimento deve ser realizado em ambiente apropriado e o paciente deve ser monitorado.

Muita gente está criticando o paciente que faleceu ao fazer o peeling de fenol, dizendo que ele colocou a si mesmo em risco ao realizar um procedimento tão agressivo com uma esteticista. O que a lei e o Código de Defesa do Consumidor falam em relação à responsabilização do paciente e do profissional detentor do conhecimento?

O paciente, ao contratar os serviços sem realizar uma busca sobre a devida habilitação profissional do prestador de serviços, sem verificar se o profissional possui a devida perícia técnica para realizar o procedimento estético a ser contratado, assume os riscos positivos e negativos de sua escolha, como foi o caso sob análise em que, infelizmente, teve como resultado a morte do paciente/contratante. De outro lado, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de produtos ou serviços possui responsabilidade objetiva (artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor), ou seja, ele deve responder por danos e prejuízos causados ao consumidor contratante de seus serviços, independentemente da existência de culpa.

Atualmente existem muitos relatos de pessoas que foram vítimas de supostos profissionais de estética. A criação de um conselho de classe, como o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Estética, poderia ajudar a combater esse tipo de problema?

Sim! O Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura de uma profissão; e hoje falta uma regulação sobre técnicas, serviços, equipamentos, produtos e âmbito de atuação. É o Conselho de classe que tem o poder de regular, controlar e fiscalizar o exercício de toda uma profissão. A falta desse regulamento, inclusive citado no artigo 9º da lei 13.643/18, traz insegurança jurídica para o esteticista e para todos os profissionais da saúde que atuam na estética de forma infralegal, ou seja, via resolução de Conselho, pois terá o momento em que não caberão mais recursos e cada profissional terá que se ater às atribuições que estão classificadas na lei regulamentadora de sua profissão. Segundo artigo 5º, inciso XIII, da CRFB/88 (Constituição da República Federal do Brasil): ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício, profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. As resoluções originadas pelos Conselhos são inconstitucionais, pois ofendem essa cláusula pétrea, sendo, inclusive, objeto de jurisprudência já pacificada no Supremo Tribunal Federal desde 2008, também no Supremo Tribunal de Justiça desde 2013 e vem sendo usada corriqueiramente em casos semelhantes pelos Tribunais Regionais Federais. Pelo princípio constitucional da legalidade o esteticista é o profissional que pode fazer uso das técnicas de estética, pois é a única profissão que traz em sua lei regulamentadora a assertiva do trabalho nesse campo. Por isso, fazemos o trabalho de orientar aos demais profissionais que façam a graduação ou a segunda graduação em estética e cosmética para continuar atuando de forma legal e segura. Com a criação do Conselho Federal de Estética e Cosmetologia, todos os profissionais atuando com estética no mercado terão que se adequar, terão protegidas as suas atribuições e acabará a insegurança dos que estão toda hora com suas liminares cassadas. A fiscalização será voltada também aos cursos livres, venda ilegal de insumos e demais problemas atuais. Além disso, cabe ao Conselho da classe, emanar resoluções para o avanço e proteção da profissão.

Em que pé está a criação de um conselho de classe?

Hoje demos o passo mais próximo da criação do conselho da classe! A Anesco conseguiu uma frente parlamentar que fez uma indicativa para o presidente da república, via Senado, e uma indicativa via Câmara dos Deputados Federais. Isso significa que as duas casas legislativas entendem a importância dessa autarquia e estão fazendo um pedido formal ao presidente da república. Por lei, ele é o único que pode criar a autarquia.

Com base nas dúvidas e polêmicas apontadas nas redes sociais, você poderia diferenciar as atuações do esteticista e do dermatologista?

O esteticista é um especialista no maior órgão do corpo humano, a pele, e suas alterações inestéticas, funcionamento e tratamentos.  Atua com métodos e técnicas que hoje são utilizadas também por dermatologistas. Entretanto, são profissões distintas: o esteticista não atua em doenças, embora seja um agente importante no diagnóstico e encaminhamento dos pacientes aos médicos. A gama de tratamentos do esteticista é muito grande, desde a estética básica, como a limpeza de pele, até procedimentos pertencentes à estética avançada, como é o caso dos injetáveis e tratamentos com aparelhos de alta tecnologia, todos com finalidades estéticas. Médicos dermatologistas também têm prerrogativas de tratamentos com finalidades estéticas, mas a exclusividade médica é em cirurgias ou procedimentos que adentrem o corpo humano através de orifícios naturais (cavidades auricular, orbicular, nasal, auricular, vaginal e anal) atingindo órgãos internos.

Diante de tudo o que vem acontecendo, o que você gostaria de destacar aos nossos leitores?

Gostaria de reforçar que a estética é uma área dinâmica, em constante evolução, em técnicas, produtos e equipamentos. O esteticista hoje é o profissional que busca, cada vez mais, a capacitação, o aprimoramento, a pesquisa. Ele evolui com as tendências mundiais dentro de sua área de atuação. A graduação do esteticista é 100% voltada à estética e cosmetologia, em técnicas, equipamentos e produtos que atendam a demanda dessa área. As especializações do esteticista também são totalmente voltadas à sua área de atuação. Por isso, é de extrema importância que o esteticista não seja confundido com o ‘profissional da área de estética’, que é aquele que fez uma especialização de 360 horas, sem nenhuma ligação com sua área de estudo na graduação, os chamados estetas.