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Natureza para além da função

O que o consumidor busca? Entenda a visão do especialista sobre as oportunidades estratégicas em marcas de cosméticos naturais.

Natureza para além da função
Raoni Cusma
Por Raoni Cusma em 3 de março de 2023
Sou designer de conceito especialista em estratégia de marca, estrategista na Orolab, palestrante, podcaster e professor de tópicos avançados e inovação nas Faculdades Oswaldo Cruz e de DNA de marca na Brandster.

Te convido a refletir comigo o poder da natureza e a relevante oportunidade que reside para as marcas de cosméticos naturais, a partir de uma análise orientada por tensões e comportamentos sociais, o que nos dará uma percepção estratégica para além das tendências e dos dados setoriais.

E para começar, vale muito a pena colocarmos um ponto importante sobre a base de qualquer negócio para tornar a nossa conversa mais aplicável ao seu dia a dia. A sua marca.

É importante deixar claro que marca não cria absolutamente nada, ela apenas responde uma demanda social e, por isso, podemos defini-la como um significado materializado em experiência e reputação, e isso quer dizer que seu papel é conectar a proposta de valor de seu negócio com os valores de seu público para que se torne possível a construção de vínculos de pertencimento e relevância.   

Dito isto, vamos dar um passo adiante e criar um fluxo que nos permitirá responder à pergunta de um milhão de libras esterlinas. O que o consumidor busca?

De forma reducionista, mas valiosa para esta reflexão, podemos colocar três demandas complementares e sistêmicas que fazem toda a diferença na percepção de valor do consumidor contemporâneo.

A primeira é o respeito à identidade, o que nos força a compreender contextos para além do nosso glorioso umbigo e modelos egóicos de beleza para além do nosso divino espelho. Pois quando analisamos um contexto precisamos compreendê-lo como uma construção social complexa feita por afetos, que criam repertórios, que formam valores, que organizam culturas e que estruturam comportamentos baseados em dinâmicas sociais que representam grupos e territórios específicos.

A segunda demanda é o estímulo à autoestima, e este é o processo que se coloca o tão aclamado, mas pouco usado ou percebido design centrado no humano, que tem em sua versão mais pomposa e de base tecnológica conhecida como Customer Centric que no final das contas, permite o excelente básico que é possibilitar com que o cliente após vivenciar a sua jornada de experiência ou vivenciar a solução proposta, saia melhor do que entrou no início do processo.

E por fim, pertencimento. Afinal se a sua marca não representa, acolhe e estimula a singularidade de pessoas reais de forma digna, humanizada e coerente, você se deu um imenso convite a irrelevância porque produtos e serviço qualquer um faz, tecnologia se compra com certa facilidade, marca qualquer uma cria e quem quer ser falar com todo mundo, não fala com ninguém.

Saindo deste contexto introdutório, vamos dar mais um passo e refletir sobre comportamentos e tensões que vão nos permitir uma dinâmica analítica mais ousada e robusta para materializar inovações que sejam de fato relevantes para o público dentro de um momento tão caótico como o que vivemos, por isso vamos trabalhar com dois temas importantes, O BANI e o FOMO.

BANI é um conceito criado pelo antropólogo norte-americano Jamais Cascio após o caos global causado pela Covid-19 que aponta que agora vivemos em um mundo Frágil (Brittle), ansioso (Anxious), não linear (Nonlinear) e incompreensível (Incomprehensible), o que de fato reduz a zero qualquer desejo de vaidade de se ter uma verdade absoluta ou um mundo que seja possível ver de um prisma que reduz a sua complexidade para caber em nossas limitações cognitivas. Já o FOMO que é a sigla em inglês para Fear Of Missing Out, aqui colocada de forma bastante simplificada, é a fobia de não estar atualizado e fazer parte do mundo o tempo todo, uma somática oriunda de tempos em que nossa vida ganha uma grande “vocação” digital.

Como se não bastasse essas caóticas características do BANI e do FOMO, vamos dar também atenção e carinho aos polos opostos que cada uma delas carrega.

O polo oposto do BANI, é a consolidação da identidade, já que o mundo a nossa volta não auxilia a responder a sagrada pergunta “quem somos nós” e nem nos dá chão, a identidade se torna a principal âncora de um mundo que é pura impermanência e volatilidade.

O polo oposto do FOMO, é o acesso a um universo de possibilidades de experiências e canais como nunca visto antes, pois mesmo ganhando de presente da Sra. Internet, um quadro importante de ansiedade, de certa forma se tornou sabido os caminhos alternativos e globais para suprir demandas específicas de consumo, principalmente no mercado de beleza.

E agora para completar este raciocínio, estes dois temas abrem de forma potente e irrestrita o caminho para uma das mais importantes dinâmicas comportamentais que poderemos analisar, o Haking.

A cultura de hackeamento é o ponto mais alto (pelo menos até o momento) da junção de um sujeito empoderado de identidade, postura e visão de mundo e quem sabe ou pelo menos tem certo acesso para buscar soluções de demandas que são singulares e carregadas de valores e momentos. Ou seja, a fragmentação das experiências vem à tona, e cada fragmento ganha um significado específico dentro de um ritual cotidiano de vivências, afetos e desafios que a vida proporciona, por consequência as dinâmicas de apropriação e a releitura de valores globais para individuais e momentâneos ganham sentido e potência.

Logo, uma marca que como foi apontado no início de nossa reflexão, não cria absolutamente nada, ela apenas responde uma demanda social, se torna secundária na vida das pessoas, que no final das contas buscam pertencimento para além da função e perceberam que se você não propor tal vivência, o seu concorrente o fará. E nesse jogo desgovernado e pouco compreensível do comportamento humano, ganha quem tem mais competência estratégica de compreender e tratar gente como gente, respeitando a singularidade das identidades, estimulando a autoestima de pessoas com valores, que mais uma vez vai além do nobre umbigo dos tomadores de decisão do mercado e que vivem o dia a dia de um mundo caótico, mas digno de consideração e respeito.

A partir desta contextualização épica, vamos afinar a sintonia para articular tendências e fatos as tensões que irão nos levar aos sentidos da natureza como diferencial competitivo. E para facilitar o entendimento, vamos pegar um cenário analítico de tendências e o cenário real dos sujeitos viventes num mundo desordenado como o acima posto.

No que tange ao universo das tendências de certa forma todas elas são uma releitura da Vênus Fever que foiapresentada pelaIPSOS em 2010 que aponta um importante movimento de feminilização do mundo. Em outras palavras, a alma, a sensibilidade criativa e a subjetividade e tudo que tangibiliza esses conceitos ganham valor, o que dá estrutura ao exato movimento que vemos até hoje que é o do protagonismo do consumidor. Mas ao mesmo tempo que glorificamos tal sujeito e estimulamos um protagonismo personalizado de experiências singulares marcantes dentro de um metaverso de possibilidades que serão vivenciadas por um consumidor pleno e vibrante, esquecemos que na realidade, o fato é que vivemos em um mundo de pessoas doentes.

Em um estudo liderado pela Organização Mundial da Saúde e o Fórum Econômico Mundial estima que depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais custam US $1 trilhão por ano à economia global.

A Organização Mundial da Saúde mostra que 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental e que só no Brasil existem mais de 12 milhões de depressivos e outros 18,6 milhões de ansiosos. Isso dá, respectivamente, 7% e 11% da população adulta com mais de 15 anos.

Outra pesquisa desta vez da Global Health Service Monitor da Ipsos realizada com mil pessoas de todas as classes sociais e regiões do Brasil, aponta que em 2018 apenas 18% dos brasileiros diziam que temas como depressão e ansiedade geravam algum tipo de preocupação, esse número subiu para 49% em 2022 e em comparação com outros países também pesquisados, o Brasil está posicionado como aquele em que a preocupação com a saúde mental está em níveis mais altos, para não dizer críticos.

Por fim, a MindMiners buscou entender em maior profundidade o efeito da ansiedade nos brasileiros e demonstra que 73% concordam em alguma medida que as marcas tentam impor padrões sociais e 68% acham que as marcas contribuem para o aumento da ansiedade na sociedade.

Isso deixa claro que definitivamente existe algo de muito errado como as proposições de valor das marcas e a valoração excessiva de personas ideias que apenas existem em teorias de qualidade duvidosa.

Por esse motivo, as tensões criadas neste cenário consolidam uma demanda urgente por experiência baseada em acolhimento e atenção integrativa de saúde e do bem-estar, e é neste contexto analítico de viés megalomaníaco aquí postado, que surge de forma potente e coerente o valor e as oportunidades oriunda dos sentidos da natureza.

Por quê?

É nas imagens, sensações e significados que a natureza carrega que reside as relações necessárias para estabelecer a integralidade de corpo e alma das pessoas, não no Rivotril.

Para você ter uma ideia do poder da natureza e de seu impacto no nosso cotidiano, o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, em uma pesquisa recente realizada a partir de 450 imagens e com resultado baseado em mais de 28 mil avaliações aponta que, imagens fotográficas da natureza são capazes de trazer conforto, tranquilidade, alegria e até reduzir a ansiedade de quem as observa, especialmente nas pessoas em tratamento médico e, segundo a líder da pesquisa Eliseth Leão “Conseguimos notar que aspectos como preocupação e ansiedade são inibidos e os positivos, de tranquilidade, por exemplo, aumentados”

Já El Instituto de Salud Global de Barcelona, demonstra em uma pesquisa realizada com mais de 19.000 pessoas, que existe uma associação direta entre a falta de acesso ou interatividade com natureza com a ansiedade e a depressão. E que por isso, até a simples visualização de elementos da natureza pode beneficiar o bem-estar mental.

Tal força da natureza está sendo considerada até nas relações espaciais das cidades. A Neuroarquitetura que é um campo relativamente novo que aplica a neurociência para compreender os efeitos que os espaços arquitetônicos criam no cérebro e quais os seus efeitos direto nos comportamentos, e a Biofilia que segundo seu teórico o biólogo Edward O. Wilson “A vegetação sai de uma visão funcional para ser vista mais como um ser vivo com o qual as pessoas se relacionam”, o que revela que de certa forma que os paradigmas puramente funcionais e decorativos da natureza no ambiente urbano já estão sendo revistos.    

E o última pesquisa desta reflexão é o estudo liderado pela ONG The Nature Conservancy (TNC) em parceria com a Universidade de Virginia e o Centro de Resiliência de Estocolmo que buscou analisar relação entre natureza e a qualidade da saúde mental no ambiente urbano já que boa parte da humanidade vive em grandes cidades, e se concluiu que tal população vive um fenômeno chamado “penalidade psicológica urbana”, caracterizado pelo aumento do stress e dos transtornos mentais proveniente de uma eterna e constante hiperestimulação de todos os sentidos humanos possíveis que temos. O mesmo estudo também aponta que neste cenário, até mesmo rápidas interações com a natureza trazem benefícios e alívio a tais transtornos. 

Em outras palavras, mesmo dentro deste cenário complexo mas também mais próximo do mundo real, é possível dizer que é no sensorial e no imaginário sutil e potente da natureza que florescem as oportunidades para a categoria de cosméticos naturais e a possibilidade única de ter essa categoria com uma porta de entrada para o mercado de bem-estar, pois a partir de toda essa análise fica claro a importância de ir além da pura função para viabilizar uma conexão profunda através de sentidos e sensações que tornam possível vivenciar qualquer bioma desejado pelo seu público, em um ritual de beleza e bem-estar prático e digno de ser considerado relevante, algo como trazer “a alma da floresta num pote”. E com isso, auxiliar pessoas reais em desafios reais dentro dos centros urbanos a se reconectarem com os significados primordiais de pertencimento e acolhimento, que só a vivência com a natureza nos permite ter. O que por sua vez, da estrutura e robustez a articulação coerente e fluida para que sua marca possa atuar nos mercados beleza, saúde e bem-estar de forma integrada e mercadologicamente inteligente.

E, para fechar essa reflexão, trago algo que advogo de forma muito genuína. Que é só através da avançadíssima ciência de tratar gente como gente com respeito e dignidade que será possível ser assertivo em desenvolver inovações e soluções que façam sentido para pessoas reais e que gerem impacto para além do storytelling pomposo com mensagens lindas que não representam ninguém e propostas que são um estímulo a manutenção de valores que apenas fazem sentido na extraordinária imaginação dos tomadores de decisão do mercado de beleza.

Por tanto, desconstruir e dar espaço a um novo paradigma mais humanizado, sensível e profundo orientado por fatos e não por achismos que acomodam o mundo a certas limitações, é o que permitirá você ser mais relevante e acolhedor para um ser subjetivo, ansioso e não linear que em alguns breves momentos de sua complexa jornada na terra, também pode ser conhecido por “seu consumidor” e de certo é a única entidade no mundo disposta a pagar o teu boleto.