Varejo

O varejo de beleza brasileiro no epicentro do varejo global

Os aprendizados da NRF Big Show em Nova York.

Por Auani Cusma de Paula em 31 de agosto de 2022

“Nem tudo o que é apresentado na NRF vem para o Brasil, mas tudo o que vem para o varejo do Brasil passou pela NRF”. A frase, de autoria de Eduardo Terra, um dos grandes especialistas brasileiros em varejo e transformação digital, é uma demonstração cabal da importância do Retail´s Big Show, a grande feira global de varejo, realizada há mais de 100 anos, em Nova York pela National Retail Federation (NRF), a poderosa associação que representa o igualmente poderoso varejo norte-americano.

A grandiosidade do evento é corroborada pelos seus números. Mais de 40 mil profissionais – 9% deles relacionados aos mercados de Beleza e Saúde – passam pelo Javits Convention Center, numa babel que reuniu pessoas de 96 países, falando 45 línguas diferentes e que reservou nada menos do que 28 mil quartos de hotéis na Big Apple. O evento tem a presença de executivos e dirigentes de 87 das 100 maiores companhias de varejo do planeta. De fato, o universo do varejo reúne-se em Nova York para se atualizar das últimas tendências e novidades apresentadas por mais de 800 expositores e, especialmente, nas apresentações dos mais de 400 palestrantes que se dividem pelos diversos palcos do evento.

A importância da NRF para o desenvolvimento do varejo brasileiro também pode ser comprovada pelos números. A comitiva brasileira somou 1884 profissionais em 2020, fazendo dela a maior dentre as estrangeiras, superior inclusive à soma das comitivas dos vizinhos Canadá e México. Com quase 5% da população total do Retail’s Big Show, era comum ouvir o português em rodas de conversa por todo o pavilhão e pelas sessões de palestras e workshops.

A presença brasileira em Nova York esteve dispersa por mais de uma dezena de delegações organizadas por instituições de ensino, organizações governamentais e empresas de consultoria em varejo. Mas dentre todas, é válido destacar que uma das que mais cresceu foi, justamente, a organizada pela Beauty Fair, que viabiliza a ida dos líderes empresariais do varejo especializado em beleza à feira há 7 anos.

A Delegação Beauty Fair/NRF costuma levar cerca de 100 profissionais do mercado de beleza em Nova York. “O crescimento da delegação e o fato de hoje estarmos na feira como um grupo independente mostra o crescimento e a evolução cada vez maior das redes brasileiras de perfumaria e nos enche de orgulho saber que com iniciativas como essa, a Beauty Fair está contribuindo de forma efetiva com esse processo evolutivo”, comemora Cesar Tsukuda, diretor-superintendente da Beauty Fair.

Um evento mais pé no chão

De modo geral, o consenso entre os especialistas de varejo é que as últimas edições de NRF foram pródigas em apresentar uma visão mais bem acabada e prática de tudo o que o evento já vinha discutindo ao longo dos últimos cinco anos em relação à transformação pela qual vem passando o varejo. As tecnologias apresentadas em meados da década passada e que deixavam todos boquiabertos (ou de cabelo em pé, tamanha a inovação e os desafios de adaptação que elas aparentavam oferecer para os varejistas tradicionais), foram estudadas e testadas. As que já se provaram realmente viáveis e uteis para melhorar diferentes aspectos do negócio do varejo – seja na operação e no back office, seja na ponta para oferecer uma experiência única para os diferentes perfis de consumidores que um mesmo varejista precisa atender – estão muito mais fáceis e acessíveis para varejistas de todos os portes em todo o mundo.

A importância das pessoas no varejo, de alguma forma, suplantou a urgência e a obsessão pela adoção de tecnologia que vinha dominando as conversas na NRF de tempos antigos. A edição de 2020, por exemplo, funcionou como um decanter para extrair o melhor de todo o blend temático que vinha sendo discutindo. Como resultado final dessa decantação das inovações no varejo global, agora, a tecnologia passa a fazer muito mais sentido para a operação do varejo, especialmente quando destinada não só a automatizar processos e melhorar a eficiência da operação, mas, principalmente, para dar mais poder e ferramentas aos funcionários para tornar as relações humanas no varejo mais fluídas e pessoais, permitindo agregar níveis de personalização no varejo físico em grande escala.

“Os investimentos massivos que o varejo tem feito em tecnologia ao longo dos últimos anos estão se pagando”, afirma Chris Baldwin, ex-Chairman do Conselho da NRF e CEO da rede atacadista BJ’s Wholesale Club. Esse atendimento personalizado pode se dar tanto sem fricção, com sistemas gerando sugestões e ofertas personalizadas e enviadas para o celular do cliente ou em dispositivos dentro da própria loja (o que já acontece em supermercados no Japão); ou pode municiar com esses mesmos dados o pessoal do chão de loja, que poderá oferecer um atendimento verdadeiramente personalizado e mais assertivo com base nas informações dos clientes que receberá no seu celular. A adoção de tecnologia para tornar as operações no varejo mais eficientes e melhorar toda a experiência de compra é de extrema importância para que o setor possa atender aos consumidores hoje. Como lembrou Baldwin, uma pesquisa realizada pela entidade apontou que 83% dos consumidores dizem que a conveniência na hora de comprar é mais importante hoje do que eram cinco anos atrás; e que 60% dos norte-americanos reconhecem que os investimentos realizados pelos varejistas contribuíram para melhorar a sua experiência de compra.

Dados e tecnologia para melhor servir, não escravizar

Em palestra, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, cunhou um dos termos de maior repercussão da NRF: Tech Intensity. Segundo o executivo, isso quer dizer a soma da adoção e da intensidade do uso de tecnologia nas empresas com as capacidades e a confiança da tecnologia desenvolvida e empregada na companhia. Para Nadella, isso é algo que cada varejista precisa construir para o seu negócio. “Você não pode ser ‘cool’ por associação com um amigo, você precisa ser ‘cool’ por você mesmo, em seu próprio estilo” comentou. Na prática, o que Nadella disse foi que não adianta você comprar as melhores tecnologias disponíveis no mercado se você não tem as ferramentas, as pessoas e, principalmente, a disposição e a certeza de que aquelas tecnologias são realmente importantes para o negócio. 

Mais do que tratar da importância que os dados exercem e continuarão a exercer nos negócios, o discurso de Nadella enfatizou a capacidade do varejo não só de gerar uma quantidade gigantesca de dados, 400 petabytes por hora; mas de gerar dados com uma qualidade sem igual. “Como varejistas, vocês têm o ativo mais valioso: dados de compras e comportamento do consumidor”, disse. E, numa provocação direta aos seus rivais digitais Google e Facebook, questionou os gastos cada vez maiores com publicidade online. “Como vocês, por meio dos seus esforços de marketing, podem converter isso (sua base de dados) efetivamente em novos canais de publicidade online que podem beneficiar todos os varejistas, todas as marcas, todos os fornecedores. Isso, para mim, talvez seja o necessário para remodelar o varejo”, afirmou.

Pessoas não são despesas, mas investimentos

Tendo começado sua carreira no varejo trabalhando em um centro de jardinagem de uma loja do Walmart, o atual presidente da gigante varejista nos Estados Unidos, John Furner, sabe da importância de se valorizar o trabalho de quem trabalha atendendo aos clientes nas lojas. Por isso, durante sua jornada no comando do Sam´s Club, marca de atacarejo do Walmart, ele subiu os salários em até US$ 8 por ano e incorporou a tecnologia para liberar mais funcionários para atuar no chão da loja.  Segundo o executivo, os resultados têm sido incrivelmente positivos, com grande impacto nas taxas de retenção, aumento da rentabilidade e aumento na satisfação dos consumidores. “Não há melhor investimento que você possa fazer do que nas pessoas que você tem em sua equipe, que estão servindo as pessoas que estão (nas lojas) pagando para você estar lá”, disse o executivo durante um bate papo com a professora da Sloan Management School do MIT, Zeynep Ton.

Não é sobre canais, é sobre pessoas

“Eu ainda estou esperando algum consumidor vir falar comigo sobre canais”. Com essa frase, Eric Nordstrom, co-presidente da rede de lojas de departamento que leva o nome da sua família, deixou claro em uma de suas palestras na NRF que para o consumidor não existe mais fronteiras entre lojas física, online e quaisquer outras plataformas, existe a Nordstrom e é com essa marca que ele quer se relacionar, não importa em qual formato. Em sua apresentação, o empresário disse que hoje, mais da metade das vendas da varejista têm algum componente online e mais de um terço das vendas online envolveram alguma experiência no ponto de venda físico. “Essas linhas estão completamente embaçadas”, disse Nordstrom, que vem expandindo a oferta de serviços da varejista com serviços como o pick up in store e pedidos expedidos no mesmo dia. Um exemplo de como a divisão entre os ambientes físico e digital não faz mais sentido é a de que cada nova inauguração de loja coincide com um impulso nas vendas online na mesma região onde o ponto de venda foi inaugurado. A interação dos dois (canais) é parte do business case para a abertura de uma loja e tem ajudado a viabilizar formatos como o da Nordstrom Local, a versão “loja de vizinhança” da varejista. Mas, como bem observou Eric Nordstrom, o motivo para ter uma loja física mudou muito. “As lojas precisam ser mais experienciais, e não apenas um ponto para as pessoas comprarem ou retirarem um produto”, disse ele.