Varejo

Tecnologia sem ansiedade no varejo

Tecnologias revolucionárias para o varejo, tidas como inacessíveis, hoje podem ser contratadas até por varejistas de pequeno porte, muitas vezes, utilizando o modelo de SaaS.

Por Auani Cusma de Paula em 31 de agosto de 2022

Cinco anos atrás, a automação e o uso de robôs e drones era algo ultrarrevolucionário, caro e restrito aos grandes players globais do varejo, com bolsos suficientemente fundos para bancar os investimentos necessários para adotar tecnologias disruptivas em seus estágios iniciais de teste.

É o caso do Bossa Nova, o robô criado pela empresa de mesmo nome e que ganhou as manchetes em 2017, quando o Walmart passou a testar a solução que escaneava toda as prateleiras de toda a loja em 50 de suas lojas. Desde 2014, o gigante do varejo vinha trabalhando com o Bossa Nova para aperfeiçoar o produto e torná-lo operacional e eficaz. Deu certo. Tanto que, o Walmart está levando a solução para 1000 de seus pontos de venda. Agora, robôs e drones são equipamentos cada vez mais comuns para os varejistas de maior porte locais, ainda que não sejam gigantes como Amazon, Alibaba ou o próprio Walmart. Isso é exemplificado pela curva de adoção de tecnologia. “São as tecnologias que cruzam o abismo dos early adopters (a turma mais antenada em tecnologia e, no caso do varejo, com mais recursos para dispor delas). Elas já provaram que funcionam, que fazem sentido e, por isso, mais empresas adotam essas novas tecnologias, que acabam se tornando padrão para o mercado”, explica Grasiela Tesser, diretora da NL Suporte à Gestão.

Felizmente, o leque de tecnologias desenvolvidas nos últimos anos que cruzou o abismo, é bastante interessante. E, agora startups de diversos países dispostas a ocupar um espaço no concorrido e altamente pulverizado cenário do varejo global, estão trabalhando para escalá-las e, com isso, chamarem a atenção de potenciais investidores. “As startups já criam soluções enxutas, porque elas não podem atingir mil varejistas grandes. Elas precisam ter um negócio escalável, que atenda os mil grandes e outros 50 mil médios e pequenos, pelo menos. Sem essa escala, os fundos de venture capital não injetam dinheiro”, disse Igor Paparoto, CEO da Beautiful Brain Retail. O principal reflexo dessa movimentação toda é que os custos dessas tecnologias caem rapidamente. Segundo o consultor, o custo de algumas tecnologias caiu 50% de um ano para o outro. O mesmo vale para as despesas para o armazenamento em nuvem, uma das revoluções que tem viabilizado o surgimento de tantas startups e que viu seu custo cair de forma drástica e contínua nos últimos 10 anos. “Uma startup portuguesa, que opera equipamentos para modelos como a Amazon Go na Europa, está refazendo todos os seus custos porque o custo das câmeras caiu 50% de um ano para o outro”, exemplifica Paparoto. Com isso, hoje um varejista de médio porte já consegue adotar essas novas tecnologias sem grandes problemas e as pequenas, muito em breve também conseguirão. “Aí será preciso viver uma nova onda de disrupção, porque vai ficar todo mundo igual”, reconhece o CEO da Beautiful Brain Retail.

Omnichannel, só com tecnologia

Se é ponto pacífico que o consumidor enxerga marcas e não canais, é preciso que o varejista seja capaz de atender aos clientes em qualquer plataforma que ele opere e que ofereça a ele, um leque de opções de como ele quer comprar e retirar o produto. Seja indo diretamente a loja física, comprando online para receber em casa, ou comprando online para retirar na loja, o consumidor está comprando de uma mesma empresa. Daí a necessidade que a empresa tenha em tempo real, a posição acurada dos estoques em casa um desses pontos. “Omnichannel só é possível com tecnologia”, afirma Paparoto. É preciso saber onde o produto está e oferecer ao consumidor um leque de opções para que ele escolha como e onde receber aquele produto; ou, caso ele vá até a loja e o produto não esteja disponível ali na hora, que o pessoal da loja possa dar uma resposta a ele sobre as possibilidades. “Convergência independe do canal. O objetivo do cliente é receber o produto dele”, reforça Tesser.

Toda essa convergência deve facilitar o que é um segundo ponto de atenção fundamental para o varejo atual: a conveniência. Graziela Tesser disse que o consumidor está buscando cada vez mais conveniência nas suas compras. E isso não se dá apenas com o avanço do e-commerce. “Conveniência tem a ver com a experiência dele e a eficiência operacional”, acredita a especialista. As pessoas querem o máximo de conveniência nas lojas físicas mesmo. Um formato que exemplifica bem isso já foi apresentado na NRF Big Show, evento de tecnologia para o varejo que acontece na cidade de Nova Iorque. A empresa Stockwell veio com uma solução que parece uma simples evolução das vending machines tradicionais, mas que por conta de dados e tecnologia está entre os formatos mais modernos e inteligentes de varejo hoje.

Pensada para estar alocada em pontos residenciais e comerciais, ela permite montar o mix baseado no comportamento de consumo dos próprios moradores que vão se servir da loja, seja num prédio, num co-working, numa república ou em qualquer outro lugar. Isso permite ao sistema indicar produtos que são, verdadeiramente, de alta conveniência para a população atendida por aquela vending machine. O acesso é fácil, funciona por meio de App e com pagamento digital via cartão. “É uma solução que coloca o produto na mão da pessoa onde ela está”, explicou Paparoto, durante a visita técnica da Delegação Beauty Fair/NRF ao espaço de exposição do Retail’s Big Show. Para ele, esse é o tipo de solução que vai explodir nos próximos dois anos. “É o varejo 4.0, a conveniência da última milha”, reforça.

A adoção de novas tecnologias também tem permitido expandir o próprio conceito de conveniência viabilizando soluções para tornar a jornada de compras realmente prática, funcional e, ao mesmo tempo, experiencial. Um exemplo apresentado por Tesser que viabiliza uma jornada de compras que se aproxima realmente dos “sonhos” de compras de muitas pessoas. Em uma loja de festas, a partir de uma foto de inspiração, monta-se uma lista de compras com todos os itens para realizar aquela decoração. “O sistema entende a foto, cruza com o estoque e recomenda a quantidade para o cliente pelo aplicativo. Agora, imagino esse mesmo sistema, que aprende por imagens, utilizado para a categoria de maquiagem”, questiona a diretora da NL.

A convergência e a conveniência são turbinadas pela possibilidade de tratar o cliente de forma realmente pessoal proporcionada pelo uso de dados. Aliás, ao contrário da analogia com o petróleo (data is the new oil), criada pelo matemático britânico Clive Humby e tão em voga nos últimos anos; Tesser apresentou outra analogia, que vem sendo utilizada nos últimos dois anos: “dados são como a água”. Essencial para a vida, ela precisa estar limpa e acessível. Tal qual os dados disponíveis nos grandes lagos que são as nuvens que armazenam informações.

Entender e avaliar a jornada de compras será cada vez mais necessário, principalmente para poder se valer das novas tecnologias de análise preditivas. Quando você tem a personalização, você pode pensar em recomendação realmente individual e isso deve ser cada vez mais forte no e-commerce, com ferramentas mais acuradas como o Syte.Ai e a própria Amazon, que já vende a sua tecnologia de recomendação para outros varejistas, sendo massificadas. Mas esse tipo de personalização deve chegar com cada vez mais força as lojas físicas. O uso de câmeras e aplicativos de reconhecimento facial vai permitir que os atendentes na loja recebam o card com uma série de informações do cliente que entrou na loja, podendo abordá-lo de forma realmente pessoal; ou, sem atrito, enviar-lhe pushs de ofertas exclusivas para eles, baseadas no seu histórico.

Sem gente, não funciona

Claro que para operar boa parte desse novo manancial de tecnologias, é preciso, antes de tudo, ter as lojas, o back office com processos bem definidos. “Para atender bem o consumidor, você tem que ter uma posição de estoque com muita acurácia todo santo dia. E é difícil fazer isso”, reconhece Igor Paparoto. Se a posição de estoque na loja ou no ERP estiverem erradas, não tem tecnologia que vai “salvar” a venda. Depois, é necessário contar com gente que entenda como tudo isso funciona e que saiba extrair o melhor de cada tecnologia. “Tem um tripé que não muda até hoje: tecnologia, processos e pessoas. Se pode ter uma tecnologia de um milhão de dólares, se o seus processos de loja forem ruins e o teu pessoal for ruim, você gastou um milhão de dólares. Você perdeu”, emenda Paparoto.

Por isso, é importante não perder de vista que a tecnologia em si não faz o negócio mais pessoal. Só as pessoas permitem isso. Nesse sentido, Grasiela Tesser lembra que é preciso controlar a ansiedade com a disrupção, e olhar para o que já está sendo feito hoje e entender se a empresa está usando a tecnologia disponível da melhor forma. “E não precisa ter o estado da arte. A tecnologia só precisa te ajudar a ser melhor”, conclui Tesser.