Uma discussão que vem ganhando cada vez mais força é a de que a indústria da beleza precisa ser mais igualitária, diversificada e inclusiva. E isso não se refere mais e somente à aumentar a oferta de produtos e serviços para consumidores com os mais variados tipos e cores de pele e cabelo. A questão tem extrapolado para a necessidade de também dar mais oportunidade a empresas de beleza com fundadores do BIPOC, acrônimo em inglês que se refere a pessoas negras, indígenas e de cor. Justificativas e números para essa demanda não faltam.
Para falar de Brasil, um levantamento do Sebrae, divulgado em novembro do ano passado, mostrou que empreendedores negros correspondem a 52% dos donos de negócios no país. Porém, mesmo sendo a maioria, eles são os que têm o menor volume de faturamento e o menor nível de escolaridade. Para ter ideia, 8 em cada 10 recebem até dois salários-mínimos por mês e 4 em cada 10 estudaram até o ensino fundamental. Outros achados do Sebrae indicam que quase 50% dos negros com negócios em estágios iniciais começaram a empreender por necessidade, devido a problemas com empregabilidade.
Tais dados ajudam a entender que não olhar para essa população, que é maioria no país, nem para suas necessidades, muitas delas específicas, não é nada estratégico e ainda poda o surgimento de inúmeras oportunidades de negócios. Essa realidade também é vista em outros países, como os Estados Unidos, onde uma mudança vem sendo posta à prova com o apoio e investimento de gigantes do setor, como é o caso da rede de lojas de beleza Ulta Beauty.
Mais investimentos, mas não para todos
Verdade seja dita, nos últimos anos, o financiamento a marcas de beleza com fundadores do BIPOC vem aumentado. Porém, a maior fatia continua tendo como destino empresas que têm à frente pelo menos um homem ou pessoa branca.
Dados compilados pela Crunchbase apontaram que no ano passado os empreendedores negros receberam menos da metade dos dólares de risco emitidos nos Estados Unidos. Se parece pouco, prepare-se para o impacto de descobrir que esse valor foi 50% menor na comparação com 2022 e 2021 – uma queda que pode pôr um freio na melhora dos investimentos para uma indústria da beleza mais diversificada que vinha acontecendo desde 2020, quando se passou a falar mais abertamente sobre como encontrar soluções para o racismo estrutural.
Não é só dinheiro
O apoio e investimento em startups com fundadores do BIPOC geralmente é feito por uma empresa ou por um grupo formado por várias companhias, que acionam uma ONG especializada para gerenciar as ofertas envolvidas, como educação, aconselhamento e, claro, recursos financeiros. Esse é o caso da Fifteen Percent Pledge, que tem sede nos Estados Unidos, incentiva varejistas a doar pelo menos 15% de seu espaço de prateleira para marcas de propriedade de negros e já conta com a colaboração de potências como Sephora, Bloomingdale’s, Macy’s, Nordstrom e Bluemercury. O compromisso firmado é válido por dez anos.
A ideia parece ótima, porém, alguns beneficiados pelo programa contam que, por vezes, ou falta apoio de marketing para atender as ordens de compra, ou a orientação e o aconselhamento vêm sem o financiamento. Nesses pontos a Ulta Beauty se destaca, e pelo lado positivo. “O programa Ulta Beauty Muse Accelerator pensa de maneira holística e inteligente sobre a proposta e os investimentos que estão fazendo”, disse a diretora executiva do Fifteen Percent Pledge, LaToya Williams-Belfort, em entrevista ao portal Glossy.
Em sua plataforma, a Muse esclarece que seu programa acelerador tem a missão de ampliar, elevar, apoiar e capacitar fundadores negros sub-representados por meio de treinamento aprofundado, ferramentas e experiência em construção de marca. Para tanto, são oferecidos cursos virtuais intensivos durante dez semanas sobre cadeias de suprimentos, estratégia e posicionamento de marca, desenvolvimento de produtos e gestão financeira. Some aí algumas semanas de aprendizado presencial na sede da rede, em Chicago; e, para cada startup, o acompanhamento de dois mentores, sendo um de uma marca que já está nas lojas da Ultra Beauty e outro de um comprador da rede. Ou seja, é praticamente um manual para entrar no varejo. Quanto aos subsídios por startup, eles giram em torno de 50 mil dólares e a duração do Muse é de cinco anos.
Novo sentido ao ‘vamos juntos’
Uma curiosidade inspiradora é que os mentores do Muse não recebem um centavo para aconselhar e orientar os participantes do programa. A retribuição é feita a partir de uma doação pela Ultra Beauty no nome deles à uma instituição de caridade de sua preferência e também com a exposição extra para suas marcas nas lojas da rede.
A materialização do Muse já é visto. Uma das startups participantes, a Poundcake, criou batons que oferecem cores fieis independentemente do tom dos lábios do usuário – quem é consumidor de make sabe que o mesmo batom vermelho resulta em nuances diferentes em quem é branca, pardo e negro. Com os 50 ml dólares doados, a confundadora da Poundcake, Camille Bell, contratou um consultor de desenvolvimento de produtos e um consultor de operações. E, com o apoio do Muse, a marca foi lançada online e em 800 lojas físicas da Ulta Beauty.
O sucesso dos participantes é esperado. Afinal, os fundadores do BIPOC participam de eventos para network com outras varejistas, líderes de fundos de capital de risco e agências de mídia social. Daí os casos de startups que são vendidas a outras companhias. Dois exemplos de 2022: a Curlsmith foi comprada por 150 milhões de dólares pela Helen of Troy e passou a ser comercializada também na Sephora, na Beauty Brands e na Asos, entre outros varejistas; e a Tula Skincare foi adquirida pela Procter&Gamble sob um valor não revelado.
Claro que iniciar e expandir um negócio iniciante com tantos detalhes envolvidos na administração costuma chocar os pupilos. Mas, é inegável a curva de aprendizado oferecida para se preparar para o varejo, bem como o estímulo à criação de marcas capazes de preencher lacunas nas lojas. Passos essenciais para tornar a beleza mais inclusiva em maior escala, onde todos ganham, não acha?