Indústria

Joana Fleury: “Não é sobre vender produto, é sobre vender autoestima”

A primeira entrevista do especial "Quem faz o mercado de beleza no Brasil" traz a diretora geral de L'Oréal Produtos Profissionais. Conheça sua carreira e seus planos para o setor.

Por Ligia Favoretto em 26 de outubro de 2022

Ocupar uma cadeira de liderança em uma multinacional não é tarefa fácil, mas Joana Fleury desempenha este papel com maestria.

Carioca, de Jacarepaguá, recém-empossada ao cargo de Diretora Geral de L’Oréal Produtos Profissionais no Brasil, a executiva tem uma trajetória inspiração. Por isso, foi convidada a participar da primeira entrevista do especial “Quem faz o mercado de beleza no Brasil”.

Formada em Publicidade e Propaganda, sempre teve a certeza de querer atuar na área de Comunicação, mas antes de ingressar na faculdade, foi preciso passar por uma longa jornada.

Primeiro, um curso técnico de informática, que na visão de seu pai, era o que lhe traria uma certa estabilidade e segurança financeira. Ela foi resiliente e sabia que nem sempre a vida é uma linha reta, mas que quando há um desejo, é possível encontrar uma forma de se chegar lá.

Durante sua formação, trabalhou três meses em uma agência e descobriu que definitivamente, não era o que queria fazer. Nunca teve referências profissionais/executivas dentro do seu rol de convivência, não conhecia ninguém que trabalhava em empresa até seus 20 anos de idade. “Na minha cabeça, Comunicação era agência”, conta.

Foi quando ainda durante a faculdade descobriu um mundo chamado marketing e se encantou por ele. Assim, teve a percepção de que queria trabalhar em uma grande corporação multinacional e direcionou sua carreira para esta área.

Ela cita que sua imaturidade fez com que fosse necessário percorrer um caminho um pouco mais longo, não passou nos programas de estágio, trainee e entrevistas logo de cara.

“Não estava preparada, meu inglês não era bom, não tinha vindo de uma formação de vida e de escola que desse essa visão de mundo necessária para fazer escolhas quando se é um adolescente”, compartilha.

O começo de sua carreira foi em uma microempresa do Rio de Janeiro. Cuidava da mala-direta, do site, dos eventos, mas tudo em uma proporção super pequena. Neste período, viu que precisava ir além.

“Estudei um pouco mais, melhorei meu inglês, fui aprendendo na prática como se portar em uma dinâmica de grupo e, finalmente, passei em um programa de trainee na Unilever, onde fiquei por dez anos, e assim começou a minha carreira corporativa em marketing como ela existe hoje.”

Entre Unilever e L’Oréal, trabalhou um ano e meio em uma empresa chamada Yan Brands, que é holding das marcas KFC, Pizza Hut e Taco Bell.

Conheça em mais detalhes esta profissional de sucesso:

NB – Joana, como você se apresentaria aos leitores de Negócios de Beleza?

Joana – Carioca de Jacarepaguá, que veio de uma família amorosa e pequena, que preza muito pelas conexões, laços e relações humanas, muito simples, no sentido da informalidade, que gosta de conversar, fazer coisas com amigos, que não tem luxos pessoais, que gosta muito da simplicidade e da verdade.

Como vim de uma família muito pequena, sempre quis ter uma família grande, e meu relacionamento de 20 anos com o Rafael, que é meu marido e parceiro de vida, tive a maior conquista de todas, que são meus três filhos. Da vida a gente leva quem conhecemos, as trocas que tivemos, o olho no olho, o abraço, o beijo.

Como as relações interpessoais são muito importantes para mim, acabou que no lado profissional, virou uma habilidade lidar com pessoas, trabalhar com times, porque eu genuinamente me importo com as relações que eu construo, então isso é uma fortaleza.

NB – Como faz acontecer o seu dia? Organizando o papel de mãe e profissional?

Joana – Quando eu estou no trabalho, eu estou no trabalho, quero fazer aquilo acontecer; e quando eu estou em casa, estou em casa e quero fazer aquilo ser de verdade. Então, eu me dedico muito nos dois ambientes que eu escolhi.

Apesar de eu ter vindo de uma família simples, eu sempre quis uma carreira, não foi uma coisa que aconteceu, foi uma coisa que eu busquei, que eu provoquei, que eu corri atrás, da mesma maneira que eu sempre quis ter três filhos.

Para mim, são dois desejos que eu tento acomodar dentro de uma mesma pessoa. É muito clichê dizer que eu tenho um tempo de qualidade, a verdade é que eu não dou conta sempre.

Acho que é uma escolha e é uma escolha intencional, tem horas que dá certo e tem horas que não dá.

Vou reorganizando as prioridades, faço escolhas e nessas escolhas alguns pratos caem e outros não, dependendo do momento.

É muito desumano a gente passar essa imagem de que tem que dar conta de tudo e de que dá para ser uma supermulher, uma super mãe, uma super esposa.

É preciso conviver bem com a ideia de que em alguns momentos as coisas não vão dar certo. Agora, se você quer ser uma mulher maravilha, é melhor recomeçar porque é muito aprisionador isso.

Joana Fleury no palco L'Oréal Produtos Profissionais
Crédito: divulgação

NB – Como foi seu primeiro contato com o mundo da beleza?

Joana – Entrei na L’Oréal pela Divisão Grande Público, então vendia produtos massivos, que estão nas prateleiras dos supermercados e das farmácias, que eram muito semelhantes aos que eu vendia na Unilever.

Uma vez em uma reunião de previsão de vendas caiu minha ficha de que eu estava entrando no maior grupo do mercado de beleza do mundo porque a mesma categoria de produto que na companhia anterior se chamava Personal Care, aqui se chama Beauty e para mim, isso muda tudo. O olhar que a L’Oréal tem para tudo é um olhar de beleza.

NB – Do mercado massivo para o profissional. Quais as principais diferenças?

Joana – Desde que eu entrei na L’Oréal eu sempre tinha a preocupação de onde vinha essa essência da preocupação com a beleza e fui descobrindo diversos mundos.

Primeiro eu descobri o mundo do cabeleireiro, ou seja, do profissional da beleza, uma profissão que proporciona acesso e crescimento à muitas pessoas que estariam fora de uma situação econômica, foi uma coisa que me emocionou demais.

E, depois, entendi o lado artístico desse profissional, que desvenda o que as clientes estão buscando, o que combina com cada uma delas, não é só uma conta matemática, é muito mais, é ter um olhar para uma mulher que senta naquela cadeira, entendendo o impacto emocional que esse profissional tem na vida das pessoas, uma responsabilidade quase que terapêutica.

E daí eu entendi que é sobre beleza e não sobre vender xampu, não é sobre vender produto, é sobre vender autoestima.

Criar a beleza que move o mundo, que é o lema da L’Oréal é sobre autoestima, é sobre se sentir bem, é sobre diversidade, pluralidade, é sobre inclusão.

NB – Onde estão as maiores oportunidades no mercado da beleza?

Joana – O mercado de beleza tem muita oportunidade. Se pensarmos que a mulher brasileira usa tratamento para os cabelos todos os dias e que a maior parte desses tratamentos massivos, olha que oportunidade enorme a gente tem de recrutá-las para um tratamento mais profissional.

Seja um tratamento que ela vai no salão fazer superexclusivo, seja um tratamento que o profissional vai indicar para ela fazer na casa dela.

Sempre comparo com o mercado de dermatologia. Só 7% da população vai ao dermatologista e mesmo assim é um mercado que está pulsando. Imagina quando a gente fala em salão de beleza, que por baixo são 500 mil salões. Se pegarmos os informais, são 1 milhão de salões de beleza.

O desafio está em convencer essa consumidora a sair do tratamento, às vezes mais caseiro, e ir para um tratamento mais profissional.

Óbvio que existe uma barreira do desembolso e a gente precisa mostrar o valor agregado. Temos um desafio de comunicação, que mostra para a consumidora que vale a pena gastar mais para ter resultados melhores.

Depois, vem o desafio da digitalização, como a consumidora pode reservar um salão online, como a gente facilita a vida dela.

Por que não uma teleconsulta profissional, assim como a telemedicina? Por que não desafiar esse mercado a ser cada vez mais digital para que a interface dessa mulher com o salão seja facilitada?

Em resumo, precisamos tirar a profissão de uma certa obscuridade e colocar uma luz, um foco nessa profissão que é tão linda. Existem muitas histórias lindas e de sucesso que ninguém sabe.

NB – Como você acha que a sua posição pode mudar o mercado de beleza no Brasil?

Joana – Hoje, eu sinto que na L’Oréal estamos cada vez mais pensando e construindo pontes para um futuro mais justo para as próximas gerações. Quando pensamos em mercado de beleza no Brasil, eu imagino que a minha posição pode ajudar a construirmos salões cada vez mais engajados e compromissados com um futuro mais sustentável.

Isso é possível com tecnologia e portfólio cada vez mais amplos, para que assim as pessoas se sintam representadas pelas nossas marcas.

Além de, principalmente, o desenvolvimento de uma educação cada vez mais forte e ampla. Quero que cada vez mais as pessoas sintam orgulho da sua profissão e da sua história.

Que elas percebam que a profissão de cabelereiro é mais do que executar um serviço, é ajudar com que cada pessoa construa a sua marca no mundo.